sexta-feira, 18 de abril de 2008

A impossibilidade de julgar a consistência da verdade apenas levando em consideração o encadeamento dos fatos

O filme “A vida de David Gale”, no original (The Life of David Gale, 2003), do diretor Alan Parker, pretende levar o expectador a uma reflexão sobre a eficácia ou não da pena de morte. Todavia pelo estilo de produção e pelo decorrer das cenas, o expectador tende a se prender na trama, que é justamente descobrir a verdade sobre o assassinato que gira em torno do filme. São raras as pessoas que conseguem formular concepções sobre o que é a vida, o que é a morte, qual o conceito de justiça em nossa sociedade, como o ser humano se satisfaz com as evidências e, muito mais raros são os que realmente não ficam presos à realidade como é dita ou formulada pelos fatos, mas procuram incessantemente conhecer e chegar até a verdade. Nesse sentido, é preciso também analisarmos a problemática que circunda o conceito de “verdade”. Sendo esta uma postura norteadora da Filosofia.
No filme, a narrativa da história se passa com um professor de filosofia da Universidade do Texas, David Gale (Kevin Spacey), que por sinal, é ativista de um movimento contra a pena de morte no estado americano. Ele é acusado de assassinar sua colega de trabalho, Constance Harraway (Laura Linney). Por ironia, e é aí que se desenvolve toda a temática do filme, Gale é condenado à pena de morte e três dias antes de sua execução resolve contar sua história à jornalista Elizabeth Bloom (Kate Winslet). Bloom é conhecida por garantir o sigilo de suas fontes, tendo até mesmo passado alguns dias presa por se negar a entregar uma delas.
Gale passa a narrar sua vida à jornalista, e ela fica perturbada com os conflitos éticos profissionais que aparecem. Em vários momentos da trama parece se questionar se está sendo manipulada por sua fonte, quais seriam as intenções de Gale em esperar tanto tempo para revelar sua história, se deveria ou não comprar a defesa do acusado e investigar o assassinato por conta própria. Em meio a pistas que aos poucos vão sendo reveladas exclusivamente para ela, seja pelo professor ou de forma misteriosa, Bloom começa a desvendar o mistério, que caminha para um final de certa forma surpreendente, mas não impressionante.
A jornalista descobre, através das investigações, que tudo não passava de um engano e que na verdade ele era inocente. A intenção de Gale na verdade era provar os erros nos processos de condenação e que havia muitos inocentes morrendo, mas acima de tudo, queria defender os direitos humanos daqueles presos, pois eram considerados “monstros” e por isso, não mereciam piedade. Além de acreditar nessas proposições, também lutava por esse ideal, mostrou personalidade e determinação em suas convicções, mesmo isto lhe custando à própria vida. O que estava fazendo, para ele, era em vista de um bem maior: o da sociedade. Daí surge à questão de como podemos conciliar os nossos desejos aos comuns à sociedade.
Muitas vezes vemos que nosso interesse difere dos outros. É o caso que acontece no filme, pois, a maioria das pessoas defendia à pena de morte. Então, ele se utiliza da prova concreta para fundamentar a sua opinião como verdadeira. Constrói a partir do entendimento de sua filosofia uma argumentação ou prova perfeita capaz de validar seu ponto de vista. Seria como quisesse corroborar o grande equívoco da sociedade em defender os seus direitos em detrimento dos outros. Na visão kantiana poderíamos afirmar a predominância das paixões e desejos em vez da afirmação do ato moral, mesmo que a análise de Kant não seja universal, mas individual.
Mas ao final do filme temos a surpresa: ele planejou sua morte e da sua companheira. Esta atitude causou a divisão entre os expectadores, pois, questionamo-nos até onde vai à moral na defesa pelo que acreditamos, principalmente, quando se trata de uma opinião pouco apoiada pelo sistema. Este ato se torna imoral à medida que se atenta contra a própria vida e se deixa o outro morrer. É uma coragem que parte de uma motivação esfacelada. Mesmo que o intuito seja defender a vida permitindo situação de morte. É uma coragem inútil, pois, o fim não é o próprio homem, embora Gale acredita-se nisso.
Enfim, temos um homem corajoso e muito capaz, mas que poderia utilizar de outros meios para lutar pelo que acreditava meios estes que sejam morais. Teria a oportunidade, mesmo com a corrosão estrutural, de “driblar” tudo isto e iniciar uma luta. Luta esta que, não teria o que se questionar moralmente, pois afirmaria uma proposição sem negá-la ao mesmo tempo. Contudo, ele incorreu no mesmo erro que o Estado, que justifica a pena de morte para proteger a vida. Ou seja, caiu no erro que desejava combater: a contradição de defender a vida através da pena de morte.

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